quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

TÉCNICO IMORTAL – TELÊ SANTANA



futebol interior

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TELÊ SANTANA


Telê SANTANA
Nascimento: 26 de Julho de 1931, em Itabirito, MG, Brasil. Faleceu em 21 de Abril de 2006, em Belo Horizonte, MG, Brasil.
Times que treinou: Fluminense-BRA (1969-1970), Atlético Mineiro-BRA (1970-1971, 1972-1975 e 1987-1988), São Paulo-BRA (1973 e 1990-1996), Botafogo-BRA (1976), Grêmio-BRA (1976-1979), Palmeiras-BRA (1979-1980 e 1990), Seleção Brasileira (1980-1982 e 1985-1986), Al-Ahly-ARS (1983-1985) e Flamengo-BRA (1988-1989).
Principais títulos por clubes: 1 Campeonato Carioca (1969) pelo Fluminense.
1 Campeonato Brasileiro (1971) e 2 Campeonatos Mineiro (1970 e 1988) pelo Atlético Mineiro.
1 Campeonato Gaúcho (1977) pelo Grêmio.
1 Campeonato Árabe (1983), 1 Copa do Rei Árabe (1984) e 1 Copa do Golfo (1985) pelo Al-Ahly.
1 Taça Guanabara (1989) pelo Flamengo.
2 Mundiais Interclubes (1992 e 1993), 2 Copas Libertadores da América (1992 e 1993), 2 Recopas Sul-Americana (1993 e 1994), 1 Supercopa da Libertadores (1993), 1 Campeonato Brasileiro (1991), 1 Copa Conmebol (1994), 1 Troféu Ramon de Carranza (1992), 1 Troféu Tereza Herrera (1992) e 2 Campeonatos Paulista (1991 e 1992) pelo São Paulo.

“O Mestre”
De Fio de Esperança a técnico de futebol. De treinador simples a comandante da seleção brasileira. De pé-frio a bicampeão mundial. De bicampeão mundial a Mestre. De Mestre a melhor de todos os tempos no Brasil. Telê Santana da Silva, o mineiro bem brasileiro, o brasileiro bem carioca, bem paulista, bem amado, foi o melhor técnico que o futebol nacional já teve. Isso é unânime. Podem discordar, podem espernear, podem vir com uma enxurrada de números, fatos. Todos irão cair por terra. Nenhum outro treinador foi tão inteligente, tão amigo, tão impecável fora das quatro linhas quanto o “Seu Telê”, o Mestre. De contestado após naufragar com a melhor seleção nacional desde 1970, em 1982, Telê viveu o auge e calou críticos ao transformar o São Paulo no maior espetáculo nacional e internacional entre 1991 e 1993. Como jogava bola aquele time. Como Raí, Cafu, Müller, Leonardo, Toninho Cerezo e Zetti se entendiam. O São Paulo não apenas jogava. Ele dava show. Jogava bonito. Jogava por títulos, por hegemonia, para a torcida. Jogava sempre com categoria, de cabeça erguida, em prol do futebol, do espetáculo. Telê transformava jogadores comuns em craques. Brucutus em ótimos defensores. Pés-murchos em canhões certeiros. Laterais em meias. Zagueiros em volantes. Telê fazia mágica. Fazia história. E entrou para a eternidade. É hora de relembrar a carreira desse mago do futebol arte.
Início tricolor
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Depois de encerrar, no começo dos anos 60, uma carreira de bons momentos e títulos no Fluminense, Telê Santana resolveu iniciar sua vida de técnico de futebol justamente no tricolor carioca, quando comandou o time de juniores entre 1967 e 1968. Disciplinador e defensor ferrenho do futebol bem jogado e inteligente, Telê rapidamente começou a brilhar e a mostrar que não seria um treinador qualquer. Em 1969, passou para o time titular do clube das Laranjeiras e logo de cara foi campeão estadual, com uma equipe muito bem montada e articulada. O título despertou o interesse do Atlético Mineiro, que levou o treinador para Belo Horizonte em 1970. Antes de deixar o Flu, Telê plantou a semente que daria fruto logo em 1970, ano em que o tricolor levantaria seu primeiro título do Campeonato Brasileiro, na época chamado de Torneio Roberto Gomes Pedrosa, na final justamente contra o Galo.

De Minas para o Brasil
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Telê chegou a Minas com o objetivo principal de retomar o caminho das glórias do time e acabar de vez com a hegemonia do Cruzeiro no estado. O Atlético tinha um time muito forte e ainda contava com a estrela de Dadá Maravilha no ataque, artilheiro nato que vivia ótima fase. De junho até setembro de 1970, o Galo disputou o Campeonato Mineiro com o claro objetivo de ser campeão e impedir o hexacampeonato cruzeirense. O Galo começou com tudo, com cinco vitorias seguidas. No sexto jogo, a única derrota no torneio: 1 a 0 para o Sport de Juiz de Fora. Depois desse revés, os comandados de Telê venceram 15 partidas seguidas e empataram apenas um jogo, quando já podiam, contra o rival Cruzeiro, em 1 a 1. Com 20 vitórias, um empate e uma derrota em 22 jogos, o Galo foi campeão mineiro de 1970, com destaque para Dario, artilheiro do torneio com 16 gols. A equipe alvinegra marcou 51 gols e sofreu apenas 12.
Em 1971, com a mesma base campeã estadual e com o grupo formado, o Atlético queria disputar e vencer tudo o que disputasse. No primeiro torneio do ano, o Mineiro, a equipe não repetiu a atuação de 1970 e terminou na terceira posição. Restava o recém-criado Campeonato Brasileiro, disputado por 20 clubes em duas fases de grupos e um triangular decisivo, de turno único. A equipe contou com Dadá inspirado e foi vencendo os jogos, empatando quando podia e perdendo muito pouco. O Galo se classificou para a segunda fase, ficou com a primeira colocação da chave, e garantiu seu lugar no triangular final, ao lado de Botafogo e São Paulo. Era hora de conquistar a taça.

Brasil preto e branco
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No triangular de turno único, uma vitória logo de cara já deixaria o Galo com chances enormes de título. O time encarou o forte São Paulo de Forlán e Gérson, no primeiro jogo, no Mineirão. O tricolor tinha um leve favoritismo, mas foi o Galo quem comandou o jogo e saiu com a vitória, com um gol marcado por Oldair aos 30´do segundo tempo. A vitória foi crucial para o Galo seguir com chance de título. Três dias depois, o São Paulo venceu o Botafogo por 4 a 1, obrigando o time carioca a vencer bem o Galo na partida decisiva. Já o Atlético jogava por um empate para ser campeão brasileiro. No Maracanã, com a torcida toda contra e o craque Jairzinho do lado botafoguense, o time de Telê mostrou maturidade e futebol de campeão. Com um gol de Dadá Maravilha aos 16 minutos do segundo tempo, o Galo foi valente, forte, imponente e venceu por 1 a 0: Atlético-MG campeão brasileiro de futebol, com 12 vitórias, 10 empates e cinco derrotas em 27 jogos, com direito ao melhor ataque do torneio, com 39 gols. Era a coroação definitiva de Dadá, artilheiro do torneio com 15 gols, do seguro goleiro Renato, da zaga comandada por Vantuir e Grapete, do meio de campo pegador com Vanderlei e Humberto Ramos e do ataque letal com Ronaldo, Tião e, claro, Dadá. O Brasil conhecia o Galo. E, principalmente, Telê Santana, que comentou na época que “fez a equipe entrar em campo sempre confiante, pensando apenas em jogar futebol”. O discurso simples e focado de Telê seria uma de suas marcas registradas na carreira, bem como pegar equipes em frangalhos e levá-las às glórias.
Fazendo história no Rio Grande do Sul
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Telê deixou o Atlético em 1975 com direito a uma breve e esquecível passagem pelo São Paulo em 1973, quando viveu vários atritos com a diretoria e jogadores (quem diria!). Em 1976, aceitou uma proposta do Grêmio para tentar fazer o clube gaúcho acabar de vez com a hegemonia torturante do Internacional de Falcão no estadual (o colorado era o atual octacampeão). Com uma mescla de veteranos e jovens craques (Eurico, Ancheta, Corbo, Éder e André Catimba), Telê rapidamente deu vida nova à equipe e convenceu aquele grupo que era possível, sim, ser campeão gaúcho novamente. Os jogadores ficaram contagiados pelo estilo de trabalho de Telê e deram a resposta em campo, levando o tricolor para a final, claro, contra o Inter. Em um jogo memorável e histórico, disputado num estádio Olímpico ainda inacabado, o Grêmio venceu o Inter por 1 a 0, gol de André Catimba, que na hora da comemoração tentou dar uma cambalhota, sentiu uma contusão e teve que abortar a acrobacia no ar, dando de cara no chão. O estádio explodiu em festa e a torcida pôde comemorar o início de tempos de ouro no clube. Aquela conquista colocava um ponto final na hegemonia do Inter e marcaria o renascimento do Grêmio, que nos anos 80 conquistaria o Brasil, a América e o Mundo.
André e a cambalhota "abortada" em pleno ar: queda feia.
André e a cambalhota “abortada” em pleno ar: queda feia.

Jejum no Palmeiras
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Em 1979, Telê deixou Porto Alegre para comandar o Palmeiras. O clube alviverde vivia tempos de vacas magras e apostava na política do bom e barato, ao contrário de investir em estrelas e craques consagrados. Outra vez Telê tirou água de pedra e conseguiu montar uma equipe competitiva, mas que não venceu títulos. Jorge Mendonça era o craque único do alviverde que fez grandes partidas no Brasileiro de 1979 (com direito a uma goleada por 4 a 1 sobre o Flamengo do jovem Zico em pleno Maracanã) e no Paulista. A torcida ficou muito feliz com o trabalho do mineiro no Palmeiras, mas lamentava o fato de o time não ter grandes jogadores que pudessem levar o Palmeiras a uma taça. O jejum permaneceria até os anos 90, quando o clube viveu seus anos de ouro com a parceria da Parmalat.
O sonho da seleção
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Em 1980, Telê assumiu a seleção brasileira no lugar de Cláudio Coutinho, técnico do Brasil na Copa de 1978. Telê tinha como objetivo montar uma equipe para se classificar e disputar a Copa do Mundo da Espanha de 1982. Beneficiado pela safra de puro talento que transbordava no futebol nacional na época, o treinador começaria a partir daquele ano um de seus mais notáveis trabalhos. Adepto do futebol arte e com artistas do quilate de Júnior, Leandro, Zico, Falcão, Sócrates e Éder, Telê montou um dos maiores esquadrões da história da seleção brasileira, que disputou o Mundialito do Uruguai entre 1980 e 1981 (ficando com o vice, na derrota por 2 a 1 para os donos da casa) e embalou de vez em uma excursão pela Europa também em 1981, quando encarou três amistosos contra Inglaterra, França e Alemanha. Contra os ingleses, vitória do Brasil por 1 a 0, gol de Zico. Na partida seguinte, contra a França, outra vitória: 3 a 1, com direito a olé. No último jogo, páreo duro contra a Alemanha, e nova vitória do time canarinho por 2 a 1, com um show em particular do goleiro Waldir Peres, que pegou dois pênaltis de um dos maiores craques do futebol alemão: Paul Breitner. Com moral, shows e um timaço, o Brasil era apontado como o maior favorito da Copa de 1982. O tetra era apenas uma questão de tempo.
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Jogando por música
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Na Copa, o Brasil estava no Grupo F, ao lado de União Soviética, Escócia e Nova Zelândia. Na estreia, o Brasil enfrentou a URSS. Os europeus começaram assustando aos 34´, com o gol de Bal. Mas, no segundo tempo, o Brasil se impôs, deixou de lado o normal nervosismo da estreia e colocou os soviéticos na roda. Sócrates empatou aos 75´, num golaço de fora da área, e Éder, num de seus habituais chutaços, virou o jogo faltando dois minutos para o final, garantindo a vitória do Brasil: 2 a 1.
Contra a Escócia, em Sevilha, novamente o Brasil começou atrás no placar, com Narey fazendo 1 a 0 aos 18´. Aos 33´, Zico empatou, de falta. No segundo tempo, show. Oscar, aos 48´, Éder, aos 63´, e Falcão, aos 87´, garantiram o 4 a 1 do Brasil, para delírio da torcida. Na última partida da primeira fase, nova goleada: 4 a 0 na Nova Zelândia, com gols de Zico (2), Falcão e Serginho. O Brasil jogava por música, marcava golaços e encantava a todos. Ninguém duvidava que o caneco ficaria com o selecionado de Telê Santana.
Na fase seguinte da Copa, o Brasil estava no Grupo 3 ao lado da então campeã mundial, Argentina, e da desacreditada Itália. Os selecionados de Telê Santana encararam logo de cara os hermanos, que confiavam no talento do garoto Maradona e na força do grupo. Porém, eles não esperavam levar um chocolate (ou seria um alfajor?) do time brasileiro. Zico abriu o placar aos 12´ do primeiro tempo. Na segunda etapa, Serginho ampliou aos 23´e Júnior fez 3 a 0 aos 30´. Diáz ainda diminuiu no final do jogo, mas não adiantou: Brasil 3 x 1 Argentina. No jogo seguinte do Grupo, a Itália superou a Argentina e eliminou os vizinhos sul-americanos. Com isso, Brasil e Itália decidiriam a vaga nas semifinais. Para o Brasil, bastava um empate. Para a Azzurra, uma vitória simples era o bastante. Mas quem acreditava na derrota do Brasil?

A tragédia
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Brasil e Itália se reencontravam em mais uma Copa. Era o primeiro jogo desde a decisão do terceiro lugar de 1978, vencida pelo Brasil. Um empate bastava para a seleção de Telê. Porém, o jogo foi o apogeu e despertar de Paolo Rossi, que estava até então sem marcar gols. Ele fez daquela partida a mais importante da carreira dele, para mostrar que, após a punição do Totonero (esquema de manipulação de resultados que assolou o futebol italiano antes da Copa), ele ainda estava em plena forma.
Aos cinco minutos, Rossi abriu o placar. Sete minutos depois, Sócrates empatou para o Brasil. Aos 25´, Rossi fez mais um, em uma falha imperdoável de Cerezo. No segundo tempo, Falcão empatou num golaço. Mas aos 30´, Rossi, de novo, fechou a conta para a Itália: 3 a 2. Perto do final do jogo, o zagueiro brasileiro Oscar quase empatou para o Brasil, mas Dino Zoff fez uma defesa que, segundo o próprio, foi a mais sensacional de sua carreira, ao pegar em cima da linha. Fim de jogo. O incrédulo Sarriá não entendia o que tinha acabado de acontecer: o Brasil encantador, eficiente, rápido, fatal e artístico, estava fora da Copa do Mundo. A Itália, burocrática, sem brilho, estava na semifinal. Era o fim da geração de ouro do Brasil. Os jogadores não sabiam para onde ir, o que fazer, o que dizer. Onde tínhamos errado? O que faltou?
O Brasil de Telê: em um ponta pela direita e com uma equipe ofensiva demais, o time sucumbiu diante da marcação e talento da Itália.
O Brasil de Telê: sem um ponta-direita e com uma equipe ofensiva demais, o time sucumbiu diante da marcação e talento da Itália.

A seleção de Telê, embora fosse difícil aceitar, tinha, sim, pontos fracos, que foram notados da maneira mais trágica possível exatamente no jogo mais importante daquele time. Se o Brasil era ofensivo e brilhante no ataque, o mesmo não se podia dizer de sua zaga, que não apoiava de maneira eficaz os laterais e meias que subiam constantemente ao ataque. Com isso, ao se deparar com os defensores italianos Scirea (um dos maiores líberos da história do futebol), Bergomi, Cabrini e, sobretudo, Gentile, que anulou Zico, o Brasil sucumbiu. Naquele jogo a Itália mostrou a frieza e a precisão que o Brasil não teve para decidir o jogo, além de ter um centroavante com estrela (Paolo Rossi), diferente do Brasil, que não teve Careca (contundido) e viu Serginho pouco decisivo naquele mundial. O bordão “bota ponta, Telê!”, do Zé da Galera, interpretado por Jô Soares na década de 80 nunca foi tão verdadeiro quando lembramos aquela Copa. O time de Telê, realmente, não tinha um ponta direita nato. Sócrates e Zico se revezavam nas jogadas por aquele lado, além do apoio do talentoso Leandro. Porém, as subidas do lateral deixavam o famoso buraco que não era compensado pela zaga brasileira. Se a seleção tivesse um Garrincha, por exemplo, a história seria bem diferente…
Revendo conceitos
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A derrota na Copa fez Telê Santana mudar um pouco seus conceitos de futebol arte e a rever sua ideologia, mas mantendo a ofensividade. O futebol nacional passaria, a partir daqueles anos, a focar mais nos resultados do que nos espetáculos, tanto é que nunca mais uma seleção brasileira deu show. O treinador deixou o comando do escrete canarinho e passou algumas temporadas na Arábia Saudita, onde também brilhou. Em 1985, Telê foi chamado novamente para a seleção a fim de arrumar a casa para a disputa de mais uma Copa do Mundo, em 1986. Disciplinador como sempre, o técnico não aturou atitudes como a de Renato Gaúcho, cortado por chegar atrasado à concentração da equipe. Com a base da Copa anterior, mas prejudicada pelo fato de as estrelas daquele ano já não estarem mais no auge (casos de Zico e Sócrates), o Brasil fez uma Copa razoável e foi eliminado nos pênaltis diante da França de Platini, nas quartas de final. Ali, terminaria para sempre o ciclo de Telê no comando do Brasil e também daquela geração de ouro, que, nas palavras de Zico, “não nasceu para ganhar uma Copa do Mundo”. O novo revés deixou Telê marcado como pé-frio por não conseguir uma taça com equipes tão fortes. Esse estigma iria acompanhá-lo até 1991, ano em que tudo começaria a mudar.
Os verdadeiros anos de ouro
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Depois de passar por Atlético-MG, Flamengo e Palmeiras, Telê Santana assumiu o comando do São Paulo em 1990. No tricolor, o treinador pegou o clube aos cacos depois de uma campanha horrível no Campeonato Paulista daquele ano e de ser vice-campeão brasileiro em 1989. Mas nem tudo era drama. O São Paulo tinha promessas surgindo e um elenco pronto para ser transformado e revolucionado por Telê, bem ao seu estilo. E foi isso que ele fez. Diferente de sua primeira e conturbada passagem, lá nos anos 70, o São Paulo oferecia toda a estrutura necessária para as glórias. Telê se aproveitou disso e passou a viver no clube, literalmente. O treinador fazia de tudo: caçava pragas que ameaçavam o gramado, não deixava ninguém pisar com sapatos no campo, brigava com torcedores e jornalistas que o atrapalhassem e treinava a exaustão um fundamento básico e essencial para a prática do futebol: o passe. Jogador comandado por Telê tinha que ser perito no passe. Um erro era fatal. E ele deixou isso bem claro para todos os que foram comandados por ele naquele tempo. Mas a teimosia, o jeito turrão e o perfeccionismo vinham acompanhados de muito carinho e dedicação aos jogadores, que eram tratados como amigos e companheiros, cada um com sua particularidade. Por isso, o São Paulo começou a ser não só um time de futebol, mas um grupo forte e unido, que praticaria um futebol solidário, muito técnico e competitivo.
Começam os shows
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O primeiro ano de Telê serviu para montar e estruturar o elenco que daria frutos a partir de 1991. Em 1990, a equipe foi mais uma vez vice-campeã brasileira, perdendo a final para o valente Corinthians. Claro, voltaram a chamar Telê de pé-frio, mas ele não ligou. No ano seguinte, começou a obra prima do treinador que viraria Mestre.
No Campeonato Brasileiro, o São Paulo liderou a primeira fase com 11 vitórias e apenas 4 derrotas em 19 jogos. Com quatro equipes asseguradas na fase de mata-mata, o tricolor encarou o quarto colocado, o Atlético Mineiro. Após dois empates, 1 a 1 e 0 a 0, o time se garantiu na final por ter a melhor campanha. A decisão seria contra o surpreendente Bragantino. No primeiro jogo, no Morumbi, o São Paulo mostrou força e venceu por 1 a 0, gol de Mário Tilico. Em Bragança, Telê foi contra sua filosofia e encheu o time de volantes, segurando o placar de 0 a 0 e dando o tricampeonato nacional ao tricolor. Em seguida, veio o Estadual. Depois de uma péssima campanha em 1990, o São Paulo deu a volta por cima em 1991, despachou todos os rivais que encontrou pela frente e chegou à final contra o Corinthians. No primeiro jogo, Raí mostrou que era o melhor jogador do Brasil à época e marcou os três gols na vitória por 3 a 0. No segundo, empate em 0 a 0, que garantiu o título ao tricolor. Era a revanche contra o rival que tirara o brasileiro da equipe no ano anterior. Com os dois títulos, o ano de 1992 seria de novos desafios para o time. Afinal, o tricolor disputaria a Libertadores da América.

A conquista da América
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Depois de superar algumas dificuldades na primeira fase da Libertadores de 1992, o São Paulo foi com tudo na fase de mata-mata da competição. Nas oitavas de final, páreo duro contra o Nacional do Uruguai. Porém, o time mostrou maturidade e venceu os dois jogos, por 1 a 0 e 2 a 0. Nas quartas, embate brasileiro contra o Criciúma e vitória tricolor no primeiro jogo por 1 a 0, com empate no segundo em 1 a 1. Na semifinal, o time enfrentou o Barcelona do Equador e passou fácil no primeiro jogo com um 3 a 0. Na partida seguinte, muito sufoco, e mesmo a derrota por 2 a 0 garantiu o time na final.
Na decisão, o time de Telê e Raí enfrentou o Newell´s Old Boys-ARG, dono do melhor ataque da competição. O tricolor teria a vantagem de decidir em casa. No primeiro jogo, vitória argentina por 1 a 0. Na volta, o São Paulo venceu por 1 a 0, o que não foi o bastante para garantir o título no tempo normal. Decisão nos pênaltis!
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Mais de 105 mil torcedores roeram todas as unhas na decisão por pênaltis da Libertadores de 1992. O São Paulo tinha bons cobradores, que deixaram os seus. Raí, Ivan e Cafu marcaram. Ronaldão perdeu. Pelo lado do Newell´s, Zamora e Llop fizeram. Porém, os erros de Berizzo, Mendoza e a derradeira cobrança de Gamboa, defendida por Zetti, deu o título ao São Paulo. Era a coroação de uma equipe extremamente competitiva. O Morumbi explodiu de alegria, a multidão invadiu o gramado como nunca antes havia se visto. O campo verde do estádio ficou todo colorido em vermelho, preto e branco. Raí erguia, pela primeira vez, a América para o tricolor. E Telê calava de vez os críticos que o chamavam de pé-frio. Mas aquilo era só o começo. Era hora de começar os preparativos para a disputa do Mundial, em dezembro, no Japão, contra o poderoso Barcelona.
Preparação com título paulista
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Se no Brasileiro a equipe não conseguiu se garantir na final, no paulista o time sobrou. Líder tanto na primeira fase quanto no quadrangular final, o time foi para a final contra o Palmeiras. Houve uma polêmica quanto às partidas decisivas, pois tanto o segundo jogo da final quanto a decisão do Mundial que o São Paulo disputaria estavam marcadas para o dia 13 de dezembro. Com isso, o tricolor conseguiu adiar a partida do paulista para o dia 20 daquele mês. Mesmo assim, o primeiro jogo foi alvo de críticas do time de Telê, que teve de disputá-lo no dia 5 de dezembro, o que causaria atrasos na programação do Mundial. Porém, o São Paulo não se incomodou e goleou o rival por 4 a 2, com 3 gols de Raí e um de Cafu. A vitória serviu de embalo para o time partir em busca do seu título mais importante na história.

Mundo tricolor
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O São Paulo desembarcou como zebra no Japão para a disputa do título do Mundial Interclubes. O motivo? A equipe iria enfrentar nada mais nada menos que o Barcelona, campeão europeu e com um time considerado o “Dream Team” da história do clube, com Guardiola, Koeman, Stoichkov, Zubizarreta, Nadal, Sergi e o treinador Johan Cruyff. O tricolor já conhecia aquele Barcelona devido à disputa de torneios amistosos naquele mesmo ano, na Espanha. O São Paulo inclusive vencera o Barça por 4 a 1 no Troféu Tereza Herrera. Mas o que se viu foi um show de partida, sendo considerada por muitos a melhor da história do São Paulo. A equipe não se intimidou com os blaugranas da Catalunha e conseguiu impor seu jogo. Mesmo o gol inicial do time espanhol, marcado pelo goleador Stoichkov, não abalou o São Paulo, que empatou com Raí. No segundo tempo, falta para o tricolor. Raí foi pra bola e marcou um gol antológico, indo comemorar com seu querido técnico Telê. Era a virada, era o gol do título Mundial. O São Paulo era o melhor do mundo. No final do jogo, Cruyff, técnico do Barça, lançou uma frase lembrada até hoje pelos torcedores:
“Se é para ser atropelado, que seja por uma Ferrari…”
É, o São Paulo era mais que aquilo. Era um time irresistível, com Raí em sua melhor fase na carreira. A máquina tricolor se garantia muito mais que uma Ferrari…
O São Paulo do Mundial de 1992: 4-2-3-1 era o esquema favorito do treinador, que usava e abusava do talento de Cafu, Raí, Palhinha e Müller.
O São Paulo do Mundial de 1992: 4-2-3-1 era o esquema favorito do treinador, que usava e abusava do talento de Cafu, Raí, Palhinha e Müller.

Mais um caneco
A euforia tomou conta de São Paulo em dezembro. O time voltou com o caneco de campeão mundial e deu a volta olímpica pela cidade, em carro de bombeiro e cheio de pompa. Mas nem haveria tanto tempo para comemorar, pois ainda tinha o jogo final do paulista, contra o Palmeiras. O verdão queria carimbar a faixa do tricolor e se aproveitar do desgaste físico do rival, mas Müller e Cerezo não deixaram, e deram outra vitória ao São Paulo por 2 a 1. Bicampeonato paulista, e o encerramento de um ano perfeito com três títulos conquistados. A imprensa também saudava sem economia o time, que, com os três títulos conquistados em 1992, somados aos três de torneios amistosos, fizeram com que o São Paulo fosse o destaque esportivo do ano. A revista Placar decretou à época: “O São Paulo hoje está muito à frente dos adversários”. Estava mesmo…
Caminho do bi mais curto
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Como campeão, o São Paulo entrou na Libertadores de 1993 já nas oitavas de final. Logo de cara, reencontro com os adversários da final de 1992, o Newell´s Old Boys. No primeiro jogo, na Argentina, os argentinos estavam com “sangue nos olhos” por vingança e venceram por 2 a 0. A volta seria difícil, pois o São Paulo teria que vencer por mais de dois gols para ir às quartas de final. Mas, o que Raí e companhia não faziam, não é mesmo? O time mostrou sua força de campeão e goleou o freguês: 4 a 0. Nas quartas de final, embate brasileiro contra o então campeão brasileiro, o Flamengo. No jogo de ida, no Maracanã, empate em 1 a 1. Na volta, novo show tricolor e vitória por 2 a 0. Nas semifinais, o time venceu o Cerro Porteño, do Paraguai, por 1 a 0 em casa e segurou o empate sem gols fora, garantindo a vaga na grande final.
Maior vareio da história
Diferentemente do ano anterior, o São Paulo iria decidir fora de casa o título da Libertadores de 1993. O primeiro jogo, contra o Universidad Católica, do Chile, foi num Morumbi lotado. E o São Paulo aplicou a maior goleada em uma final de Libertadores até hoje: 5 a 1. Foi um espetáculo de Raí, Zetti, Vítor, Pintado, Dinho, Ronaldo Luís, Muller, Palhinha e Cafu. Na volta, nem a derrota por 2 a 0 impediu a festa: bicampeonato da América garantido. Era o São Paulo no topo do continente pela segunda vez consecutiva.
Maratona pelo Brasil (e mundo)
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Time da moda, o São Paulo de Telê aceitava diversos convites para disputar torneios amistosos, mas também tinha compromissos sérios, como a Recopa Sul-Americana e a Supercopa da Libertadores, ambas vencidas pelo time em cima de Cruzeiro e Flamengo, respectivamente. Em 1993, a equipe bateu recorde e disputou absurdas 97 partidas. O ápice se deu no mês de abril, quando o time jogou nada menos que 16 partidas em apenas 30 dias! A média foi de praticamente um jogo a cada dois dias.
Mundo tricolor – parte 2
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Já conhecido em solo japonês, o São Paulo foi recebido com muita festa pela torcida local e teve a maioria no estádio Nacional de Tóquio para a final do Mundial de 1993. O adversário seria o Milan, vice-campeão europeu, que garantiu vaga na decisão por conta de um escândalo de manipulação de resultados que envolveu o campeão europeu daquele ano, o Olympique de Marselha. De novo, o São Paulo não era favorito, principalmente por não ter mais a sua grande estrela, Raí. Mas quem esperava uma vitória fácil dos italianos viu um jogo espetacular. Palhinha abriu o placar para o São Paulo no primeiro tempo. No segundo, Massaro empatou. Cerezo deixou o São Paulo na frente de novo, mas Papin empatou. Faltando 4 minutos para o fim do jogo, Müller fez, sem querer, o gol da vitória. O São Paulo era bicampeão mundial de futebol, como o Santos de Pelé, e a geração de ouro comandada por Telê Santana chegava ao ápice. A equipe terminaria o ano com uma Quádrupla Coroa Internacional, ao vencer todas as competições internacionais que disputara: Libertadores, Recopa, Supercopa e Mundial.

Tristeza e a última conquista
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Insaciável, o São Paulo não cansava de vencer. Em 1994, a equipe ganhou o Bi da Recopa (em cima do Botafogo), e, com um time totalmente formado por juniores, a Copa Conmebol (substituída pela Copa Mercosul, anos depois, e pela Copa Sul-Americana, nos dias de hoje), com direito a um baile de 6 a 1 no primeiro jogo da final em cima do Peñarol-URU. Mas, mesmo com as conquistas, o time viveu um drama sem igual na Libertadores. Depois de eliminar os adversários pelo caminho, inclusive o grande Palmeiras, o São Paulo chegou à sua terceira final seguida. O adversário seria o argentino Vélez Sarsfield, do polêmico goleiro Chilavert. O tricolor repetiu o filme de 1992 e não liquidou o jogo no tempo normal, levando a decisão para os pênaltis. Mas, dessa vez, nem Zetti conseguiu ajudar a equipe. O tricolor sucumbiu e perdeu o seu título mais ganho, em casa, para um adversário claramente inferior. Seria o início do fim de uma equipe tão acostumada às vitórias e aos títulos.
Problemas de saúde e o fim
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Em meados de 1995, Telê começou a sentir o peso de tantos anos de dedicação, viagens, estilo de vida solitário e estresse. Somado a isso, seu São Paulo já não era mais o mesmo, muitos jogadores deixaram o clube, as categorias de base não rendiam e os rivais começavam a crescer rapidamente, tais como Grêmio, Palmeiras, Corinthians, Cruzeiro e Vasco. A diabetes passou a atormentar a saúde do Mestre, obrigando-o a se licenciar do São Paulo. Em 1996, Telê sofreu uma isquemia cerebral e tempo depois seria anunciado como novo técnico do Palmeiras. Mas, com a saúde muito frágil, olhar vago e já sem a serenidade de antes, o treinador nem sequer assumiu o cargo. Magro e debilitado, o outrora forte Telê passou a viver em Minas, ao lado da família. Recebia visitas de vários parentes e amigos do futebol sempre com muita emoção e carinho. Em 2003, teve de amputar a perna esquerda após uma cirurgia de revascularização.
Em 2006, foi internado às pressas com uma grave infecção abdominal. No dia 21 de abril daquele ano, o Fio de Esperança não resistiu e faleceu em Belo Horizonte aos 74 anos. Com muita tristeza, os amantes do futebol se despediam daquele que foi um dos maiores treinadores do futebol mundial e sempre lembrado como o maior do Brasil. Telê não armava times em função do adversário. Ele se importava apenas com o seu time, com foco no simples e no puro futebol. Ídolo por onde passou, Telê tem até hoje seu nome gritado pela torcida do São Paulo após as grandes conquistas do clube, em especial no período entre 2005 e 2008, quando o tricolor faturou a América, o Mundo e o Brasil. Fio de esperança, fã da arte, Mestre. Telê foi e será para sempre um técnico imortal.
Nas Laranjeiras: um símbolo do Tricolor carioca e ilustre torcedor.
Nas Laranjeiras: um símbolo do Tricolor carioca e ilustre torcedor.

Números de destaque:
Comandou o São Paulo em 410 jogos, vencendo 197, empatando 122 e perdendo apenas 91.
É o recordista em jogos no comando do Atlético Mineiro: 434 partidas, com 235 vitórias, 122 empates e apenas 77 derrotas.
Curiosidades:
– Telê tinha a mania de mascar palitos de dente durante os jogos para aliviar a tensão. Anos depois, ele substituiu as madeirinhas por gomas de mascar.
– Contando torneios internacionais e nacionais, Telê Santana conquistou 22 taças em seu período no São Paulo. Recorde absoluto.
– Certa vez, Telê estava com um novato Cafu treinando cruzamentos no CT do São Paulo. O lateral era péssimo nos chutes. Já era bem tarde quando Cafu retrucou o comandante dizendo “se é fácil, faz você!”. Foi então que Telê (ponta-direita dos bons nos anos 50) pediu para Cafu ir para a área que ele ia mostrar como se faz um cruzamento. Telê bateu na cabeça de Cafu, que pouco se esforçou para marcar o gol. O lateral saiu de campo louco da vida, para a alegria e risadas dos presentes ao seu redor. Aquilo, no entanto, foi um gesto que o futuro capitão do penta seria grato eternamente ao Mestre Telê.
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FUTEBOL INTERIOR



Telê Santana: mestre da arte


Um estigma. No entanto, longe de ser uma maldição. A Copa de 1982 marcou a trajetória de Telê Santana, mais por conta do futebol bem jogado do que pelo fracasso. O suspiro que segue as lembranças é a prova disso. E se o Brasil tivesse levado aquele Mundial? A história seria outra. De qualquer forma, o fato de “quase chegar à perfeição” é o que torna aquele time tão fascinante. E o trabalho do técnico, tão notável.
A fama de azarado perdurou por um bom tempo, sem levar em conta as façanhas por Fluminense, Atlético Mineiro e Grêmio. O São Paulo, campeão de tudo no começo dos anos 90, veio para colocar um ponto final nessa história. Mas, sinceramente, nem precisava de tanto. A contribuição de Telê ao futebol já tinha sido dada. A montanha de títulos só veio abrilhantar ainda mais a forma do Mestre apresentar o jogo como uma arte.
Sede de vencer
Telê Santana da Silva nasceu na cidade mineira de Itabirito, no dia 26 de julho de 1931. Era o terceiro dos dez filhos de seu Zico e dona Corina. Desde a infância, se encantava pelo futebol, especialmente o do Fluminense, time que acompanhava com maior atenção nas transmissões de rádio – há quem diga, todavia, que seu clube de coração era o Atlético Mineiro.
Foi no interior de Minas Gerais que começou a sua carreira como atleta, no pequeno Itabirense. Os traços do espírito de vitória de Telê podiam ser vistos já naqueles dias, quando não admitia derrota alguma no clássico local, contra o União. Defendeu também o América de São João Del Rey até se mudar em definitivo para o Rio de Janeiro.
Esperança tricolor
Aos 19 anos, Telê Santana passou por testes no Fluminense e foi aprovado com o aval de João Coelho Netto, o Preguinho, então dirigente. Inicialmente, foi integrado aos juvenis e venceu o estadual da categoria. Em 1951, subiu aos profissionais pelas mãos do técnico Zezé Moreira. Logo no primeiro Carioca, o garoto brilhou. Deslocado como centroavante por conta da suspensão de Carlyle, marcou dois gols na decisão do Estadual contra o Bangu. O suficiente para logo se tornar ídolo.
O maior feito viria em 1952. Ao lado de Didi e Castilho, venceu a Copa Rio, competição que reuniu clubes como Peñarol, Sporting e Corinthians. Já consolidado no clube, o ponta-direita ganharia o apelido que marcou sua carreira como atleta em 1956. Ninguém menos que o cronista Mário Filho mobilizou a torcida tricolor para dar uma nova alcunha a Telê, em concurso realizado pelo Jornal dos Sports. Até então chamado de Fiapo e Tarzan, por conta de sua magreza, passaria a ser lembrado como “Fio de Esperança”. Era o reconhecimento a um jogador que, além de dominar a técnica, se doava em campo em busca da vitória.
Apesar de toda a qualidade de Telê, seu talento não foi o suficiente para levá-lo à seleção brasileira. A concorrência era pesada e contava com nomes do calibre de Garrincha, Julinho Botelho e Joel. Ainda assim, o ponta do Fluminense chegou a ser convocado para um amistoso contra Portugal, mas não pôde entrar em campo por causa de uma lesão. Nunca mais ganharia outra chance.
Nas Laranjeiras, conquistou o Torneio Rio-São Paulo de 1957 e o Carioca de 1959, antes de se despedir da torcida, em 1960. Foram 557 jogos e 162 gols em sua passagem pelo time de infância. Depois disso, jogaria por Guarani, Madureira e Vasco, longe de repetir o sucesso que teve com a camisa tricolor. Por sua disciplina nos gramados, foi agraciado com o Prêmio Belfort Duarte, dado a quem passasse ao menos dez anos sem nunca ter sido expulso.
Três categorias, tricampeão
A primeira oportunidade de Telê Santana como técnico foi dada pelo mesmo Fluminense, já no fim da década de 1960. E o bom trabalho resultou em uma sequência incrível de conquistas. Com o elenco infanto-juvenil, levou o campeonato estadual em 1967, feito repetido no ano seguinte com os juvenis. Efetivado nos profissionais em 1969, tratou logo de também ser campeão naquele ano. A final emocionante contra Flamengo, em um Maracanã abarrotado, teve vitória do Flu por 3 a 2.
Durante a temporada de 1970, o treinador trocaria o Fluminense pelo Atlético Mineiro. De legado, ficaria o elenco campeão da Taça Roberto Gomes Pedrosa naquele mesmo ano. Ironia do destino, em decisão disputada contra o próprio Galo. A recompensa pela troca, porém, não demoraria a vir.
Inaugurando o hall
Também em 1970, o Atlético se sagraria campeão estadual. Mas a conquista marcante de Telê aconteceria no ano seguinte. O Campeonato Brasileiro acabara de ser criado e, entre os favoritos ao título, estavam Santos, Botafogo e Palmeiras, além do próprio Fluminense. A surpresa de vez, contudo, seria o time mineiro. Durante a campanha, vitórias sobre Flamengo, Internacional, Santos e Vasco.
O regulamento daquele ano previa um triangular decisivo, do qual sairia o campeão. E, depois de baterem o São Paulo, os atleticanos ficariam com o caneco após triunfo sobre o Botafogo. O gol do título viria em uma cabeçada certeira de Dadá Maravilha. Dali saiu o primeiro vencedor do Brasileirão. E, aos 40 anos, Telê começava a construir a imagem mítica do treinador que, independente do título, fazia seus times jogarem futebol.
Início no Tricolor Paulista, alma lavada no Tricolor Gaúcho
Depois de sair do Atlético, Telê teria a sua primeira passagem pelo São Paulo. Ficou por lá entre 1972 e 1973. Entretanto, a falta de respaldo fez com que deixasse o clube pela porta dos fundos. Na briga com Toninho Guerreiro e Paraná, quem levou a pior foi o treinador. Nos anos seguintes, voltaria ao Atlético, mas não passaria de posições medianas no Brasileirão nem conquistaria o Campeonato Mineiro.
O reencontro do comandante com a glória ocorreria após ser anunciado pelo Grêmio, em 1976. O clube da Azenha vivia um dos períodos mais difíceis de sua história. Pior que o jejum de troféus, era ver o rival festejar todos os anos. O Internacional vinha de oito títulos seguidos no Campeonato Gaúcho, além de dois no Campeonato Brasileiro. O sofrimento gremista parecia não ter fim. Até a chegada de Telê.
Entre aqueles que exorcizaram a maldição estavam Tarciso, Ancheta e Éder. André Catimba marcou o tento que dissipou de vez as trevas da sala de troféus Tricolor. Alegria tamanha que o atacante não soube nem mesmo controlar a energia na hora da comemoração, se esborrachando no campo após a tentativa frustrada de cambalhota. Era o encerramento da angústia. E outra prova da intimidade entre Telê Santana e as façanhas.
Do verde à amarela
Telê treinou o Grêmio até 1978. De lá, seguiu para o Palmeiras, que havia deixado para trás os tempos da Academia. Com um elenco formado por jogadores sem muita grife, o técnico extraiu futebol de qualidade. Chegou até as semifinais do Campeonato Brasileiro de 1979, derrotado pelo Internacional. E no Paulistão, não fosse um imbróglio que adiou a realização da fase decisiva e freou a boa fase dos alviverdes, tinha grande chance de vitória.
Os feitos no Grêmio e no Palmeiras acabaram valendo uma chance na seleção brasileira. Treinador durante a Copa de 1978, Claudio Coutinho deixou o cargo em 1980 e Telê foi nomeado em seu lugar. Tinha a dura missão de retomar o futebol vistoso da Copa de 1970, apresentado em doses homeopáticas nos dois Mundiais seguintes.
Convencer sem vencer
O primeiro teste de Telê à frente do Brasil aconteceu no Mundialito do Uruguai, que reunia os países campeões do mundo até então para celebrar os cinqüenta anos de criação da Copa do Mundo. Depois de empatar com a Argentina e golear a Alemanha Ocidental, a seleção verdeamarela cairia na decisão, ante os anfitriões uruguaios. A derrota colocou em xeque a capacidade do time nacional, que recuperaria a credibilidade com a classificação ao Mundial da Espanha. A passagem pelas Eliminatórias, aliás, reservou poucos percalços contra Bolívia e Venezuela.
A construção da imagem daquela seleção, entretanto, viria em excursão feita à Europa, em maio de 1981. No Velho Continente, os comandados de Telê acumularam êxitos contra Alemanha Ocidental, Inglaterra e França em plena casa dos adversários. As boas partidas, somadas à somente duas derrotas em 33 jogos sob seu comando, colocavam o Brasil na condição de favorito antes do Mundial.
Daí em diante, o roteiro vivido na Copa de 1982 é de domínio público. Vitória suada na estreia, contra os soviéticos; goleada sobre a Escócia; show diante da Nova Zelândia; e a classificação à segunda fase, que colocava Argentina e Itália no caminho brasileiro. A atuação contundente contra a Albiceleste de Maradona corroborou o sentimento de quem via aquele time jogar. Era a arte de encantar e de vencer. A Itália seria mais um passo, sucedida pela semifinal, depois pela decisão e, enfim, pela taça. Mas veio Paolo Rossi. Zoff, Scirea, Tardelli, Conti, Bearzot e todo o time que se sagraria tricampeão dias depois. Fez-se tragédia no Sarriá.
Na coletiva após aquele 3 a 2, Telê Santana seria ovacionado pelos repórteres presentes no estádio. Era o fim material da equipe e a criação de um mito. Um exemplo de futebol vistoso, ofensividade, troca de passes. Algo que, medida a realidade da seleção anos depois, parece utopia.
O segundo tropeço
Após o Mundial, Telê deixou a seleção. Foi se aventurar no Oriente Médio, onde treinou o Al-Ahly Jeddah e quebrou o jejum pessoal com os títulos do Campeonato Saudita, da Copa do Rei e da Copa do Golfo. Contudo, a lacuna deixada na equipe nacional não era preenchida por nenhum de seus sucessores. Parreira, Edu Coimbra e Evaristo de Macedo não se encontraram no cargo, e muito menos encantaram como o time de 1982. Telê Santana voltou sem a mesma aura, mas ainda assim superou as Eliminatórias.
O time que viajou ao México era bem menos exuberante que o de quatro anos antes. Os remanescentes estavam longe de apresentar o auge da forma. O próprio treinador parecia marcado por aquela derrota. A equipe não era tão técnica. Era mais precavida. Os resultados magros na primeira fase começaram a melhorar somente a partir das oitavas de final, contra a Polônia. E quando o caminho parecia clarear para o Brasil ante a França, vieram os pênaltis. Tanto no tempo normal, desperdiçado por Zico, quanto na disputa decisiva. Recobravam para Telê a fama de “pé-frio”, alimentada pela derrota no Paulista de 1979 e, principalmente, pelo Sarriá.
Entre os grandes, sem “sorte”
Após a segunda Copa do Mundo perdida, o técnico transferiu o seu azar agora para o Atlético Mineiro. O alvinegro fez campanha exuberante na primeira fase da Copa União, o Campeonato Brasileiro de 1987. O que não foi suficiente para derrotar o Flamengo de Zico, Bebeto e do triunfante Renato Gaúcho, cortado do Mundial no ano anterior. No ano seguinte, tirou a razão dos críticos levando o título do Campeonato Mineiro.
A fraca campanha no Brasileirão rendeu a demissão de Telê e a sua ida ao Flamengo. O treinador teria um bom início no rubro-negro, especialmente após vencer a Taça Guanabara. No entanto, o encanto começaria a se quebrar depois após a derrota para o Botafogo na final do estadual e se romperia de vez durante o Brasileiro. Os meses seguintes guardariam o seu retorno ao Fluminense, onde não ficou mais do que dois meses, e ao Palmeiras, do qual também saiu sem grandes serviços prestados.
O surgimento do Mestre
Foi em outubro de 1990 que Telê Santana começaria a reconstruir a imagem de vencedor. O São Paulo vinha de uma péssima participação no Campeonato Paulista, eliminado em uma fase de repescagem, e queria melhorar seu desempenho no Brasileiro. Telê era o encarregado pela recuperação. De qualquer forma, a simbiose entre clube e treinador demorou um pouco até funcionar. Na estreia, empate por 0 a 0 contra o São José. Oito jogos depois, os são-paulinos passariam aos mata-matas. Porém, depois de derrubarem Santos e Grêmio, prevaleceu o “pé-frio” na decisão do torneio, vencida pelo Corinthians.
O tempo dado a Telê no São Paulo foi vital para a construção de seu reinado. Após terminar a primeira fase com a melhor campanha, o Tricolor derrotou Atlético Mineiro nas semifinais e o Bragantino na decisão para se sagrar campeão Brasileiro no mês de junho. Era o reencontro do treinador com a taça vinte anos depois de beijá-la pela primeira vez. Em dezembro, foi a vez do troco sobre o Corinthians na final do Campeonato Paulista. Pela primeira vez, um técnico completava o ciclo de conquistas nos quatro principais estaduais do Brasil (Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo).
Com plenos poderes e liberdades, o comandante passou a viver o São Paulo. Passava o dia e até dormia dentro do clube. Cuidava pessoalmente do gramado, na intenção de dar o melhor “brinquedo” aos seus jogadores. À disposição, tinha bons jogadores, como Cafú, Raí, Leonardo, Zetti e, nas temporadas seguintes, Muller, Palhinha, Cerezo. Sua equipe não era o toque de bola de 1982, mas era a movimentação e o empenho que, ainda na década de 1950, lhe renderam o apelido de “esperança”.
A América e, finalmente, o Mundo
Campeão nacional, o São Paulo disputava a Libertadores da América após um hiato de cinco anos. E a chance de estabelecer uma marca internacional começou com derrota para o Criciúma, vencedor da Copa do Brasil em 91. A equipe se recuperou nas rodadas seguintes e, classificada para a segunda fase, acumulou triunfos sobre Nacional, Criciúma e Barcelona de Guaiaquil. Por fim, na decisão, contra o Newell’s Old Boys, o Tricolor reverteu no Morumbi a derrota sofrida na Argentina e pôs a mão na taça depois de disputa de pênaltis. Telê era o melhor das Américas.
Realizado simultaneamente com a Libertadores, o Brasileirão de 1992 contou com o ímpeto dos são-paulinos, que ficaram a um ponto da final. A gana do treinador rendeu também o bicampeonato Paulista, assegurado em dezembro. E entre uma partida e outra da decisão contra o Palmeiras, Telê Santana viajaria ao Japão para preencher parte de seu maior vazio.
Mesmo que não fosse uma Copa do Mundo com a seleção brasileira, o Mundial Interclubes fazia justiça: colocava o treinador como o melhor do planeta. Do outro lado, o Barcelona de Cruyff, apontado por Telê em diversas entrevistas como um exemplo de jogador, sobretudo quanto ao seu papel na Holanda de 1974. Em campo, Stoichkov, Michael Laudrup, Guardiola, Koeman, Zubizarreta e uma constelação de craques. No placar, 2 a 1 para o São Paulo de Raí, que marcou ambos os gols, o segundo deles em uma cobrança de falta memorável.
O maior do Morumbi
A dose foi repetida na Libertadores e no Mundial em 1993. Por defender o título, o caminho foi mais curto na disputa continental e colocou os são-paulinos direto nas oitavas de final. A trajetória contou novamente com o Newell’s , além de Flamengo e Cerro Porteño. A decisão desta vez não dependeu de pênaltis e o Tricolor reconquistou a copa graças à goleada aplicada no Morumbi sobre a Universidad Católica. Já em Tóquio, o rival da vez foi o Milan, superado por 3 a 2 graças à persistência de Muller, que desempatou a quatro minutos do fim.
Somando todos os títulos, inclusive de competições amistosas, Telê Santana acrescentou 21 troféus ao museu tricolor. Entre os mais notáveis, a Supercopa Libertadores de 1993, na qual bateu o Flamengo na decisão, e a Recopa Sul-Americana em 1993 e 1994, com êxitos sobre Cruzeiro e Botafogo. Em 1994, o treinador ainda chegou perto do tri da Libertadores, mas foi derrotado pelo Vélez na final.Naquele mesmo ano, o famoso “Expressinho” levou a Copa Conmebol sob o comando do pupilo de Telê, Muricy Ramalho.
Fim da Esperança
O comandante permaneceu intocável no Morumbi até janeiro de 1996. Com problemas de saúde, se licenciou do cargo por tempo indeterminado. Enquanto estava afastado, Telê chegou a ser sondado pelo Barcelona. Cruyff deixaria o posto livre e o brasileiro era o indicado a manter a filosofia do clube. Não deu. Em maio, ele sofreu um acidente vascular cerebral, que debilitou mais as suas condições.
Contrato rompido com o São Paulo, o técnico ensaiou o retorno ao Palmeiras em 1997. Foi até mesmo apresentado, mas não tinha condições de trabalhar. De volta a Belo Horizonte, onde vivia com a família, seu estado definhava aos poucos. Precisou amputar uma das pernas em 2003. Três anos depois, foi internado com uma infecção intestinal. Não resistiria. Em 21 de abril de 2006, Telê Santana se tornaria apenas memórias.
Treinador de técnica
Ao contrário de muitos técnicos que figuram a lista dos melhores, Telê Santana não era um grande inventor de táticas. Seus times se impunham não pelo sistema, e sim por sua filosofia de jogo. Ao invés de bolar estratégias para limitar os rivais em campo, ele preferia fortalecer as condições de sua equipe.
Em seus treinos, o Mestre ensinava futebol. Em entrevista ao programa Roda Viva em 1992, afirmou: “Tanto se fala no técnico de futebol, do treinamento tático, mas não adianta você fazer o treinamento tático se não tiver o treinamento técnico, se não tiver aprimoramento no futebol. Então, você fala: ‘Bom, vamos armar o time tático. Aqui entra esse, ali entra esse’ Na hora de passar, o jogador passa tudo errado, o que adiantou esse treinamento tático? O que adiantou? Nada”. Insistia nos fundamentos, para que passes, chutes, domínios e cabeceios estivessem afinados. As jogadas eram testadas nos coletivos até que tudo saísse na mais precisa sintonia e naturalidade.
Telê por vezes era rabugento. Como alguém que não precisava fazer média e também sabia como não perder o respeito. Com seus jogadores, era sério, exigente. E também um brincalhão. Apertava as rédeas quando preciso, mas não deixava de fazer os seus afagos, contar suas histórias e motivar seus comandados. Entre os jogadores com quem trabalhou, Telê fez brilhar desde nomes consagrados até aspirantes. Premiava o esforço de cada um e sabia onde encaixá-los em seus times. Na maioria dos clubes pelos quais passou, revelou e elevou o status de vários atletas.
Telê Santana despejava todo o seu conhecimento com a maior simplicidade. Gostava do futebol limpo, empenhado, sem muitas firulas. Meticuloso, prezava pela técnica e pelos fundamentos como quem perseguia a perfeição. E, ainda que tenha falhado vez ou outra, pode-se dizer que ele beirou tamanha proeza.
Trivela

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